quarta-feira, 28 de março de 2012

Papáverum Millôr

[Millôr Fernandes]

Enterrem meu corpo em qualquer lugar.
Que não seja, porém, um cemitério.
De preferência, mata;
Na Gávea, na Tijuca, em Jacarepaguá.
Na tumba, em letras fundas,
Que o tempo não destrua,
Meu nome gravado claramente.
De modo que, um dia,
Um casal desgarrado
Em busca de sossego
Ou de saciedade solitária,
Me descubra entre folhas,
Detritos vegetais,
Cheiros de bichos mortos.
(Como eu).
E, como uma longa árvore desgalhada
Levantou um pouco a lage do meu túmulo
Com a raiz poderosa,
Haja a vaga impressão
De que não estou na morada.

Não sairei, prometo.
Estarei fenecendo normalmente
Em meu canteiro final.
E o casal repetirá meu nome,
Sem saber quem eu fui,
E se irá embora,
Preso à angústia infinita
Do ser e do não ser.
Ficarei entre ratos, lagartos,
Sol e chuva ocasionais,
Este sim, imortais.
Até que, um dia, de mim caia a semente
De onde há de brotar a flor
Que eu peço que se chame
Papáverum Millôr.

01/06/1962

(Extraído do livro Papáverum Millôr. Círculo do Livro, 1974)

2 comentários:

Joaquim (Quinzinho da Ilha) disse...

caro manézinho, esse termo "istepô" me leva a algumas lembranças da infancia. Veja se procede: Minha mãe, 94 anos hoje, portuguesa, quando faziamos alguma anarquia indevida nos chamava de "estapoire", sendo isso uma verbalização da palava "estupôr", que significava o fato dela ficar estupefata com aquilo que eramos capazer de fazer...
Assim, "estupor" vira "estapoire" e, finalmente, em Floripa, vira "istepô"...Tem sentido?

jd disse...

Caro Joaquim (Quinzinho da Ilha)
Não sou um estudioso do vernáculo português, nem especialista na etimologia do linguajar manezinho, mas sua especulação tem algum sentido sim.
Um grande abraço e espero que volte sempre a este blog.
jd